É mais fácil criar um estilo ou contar uma história? Ao que tudo indica, pelo menos no Brasil, o mercado literário valoriza mais o virtuosismo estilístico do que a pobre missão de se contar uma história. Viva os malabaristas de teses! Morte aos contadores de histórias!
Autores julgam mais seguro produzir textos diferentes, em estrutura e apresentação, dando-se a desculpa de que não desejam percorrer caminhos já abertos. O fato é que criar um estilo é fácil. O difícil é não se cansar de ler tantas experiências: livros que são constituídos de um único parágrafo; frases imensas sem vírgulas ou pontos; diálogos incompreensíveis mesclados com descrições e efeitos sonoros; tudo aparentemente criativo, mas relegando ao porão os elementos que compõe uma boa história. Onde fica o enredo? As personagens? O herói? Aquela impecável escolha do foco narrativo? Ninguém mais pensa nos conflitos? Droga, ninguém mais pensa no leitor?
Admira-se, como se admira os esforços de um ginasta, o esforço necessário para se escrever e para se ler uma obra. Mas ler tem que ser um sacrifício? Hoje em dia para que um livro seja considerado bom precisamos reler seus parágrafos 10 vezes. Com o dicionário aberto. Acredito que a clareza das idéias do autor é (ou pelo menos deveria ser) refletida na clareza de seu texto. Quero ver um destes harpistas de parágrafos demonstrar suas habilidades e escrever um bom romance. Duvido.
É quase inexistente a produção nacional de literatura de entretenimento. Fala-se que o estado incipiente deste estilo é culpa dos críticos. Seguidos de perto pelas editoras que disputam cabeça a cabeça com intelectuais e acadêmicos. Corrida inglória. Ninguém ganha. Não importa se todos, eles e nós, começamos nossa vida de leitor com algum livro para diversão. Mas eles julgam a literatura de entretenimento um gênero menor. Menos importante. Comercial. Simples e simplório. Coisa para o povão.
Nunca vi maior arrogância. Tamanha negação das próprias origens merece análise psicológica. Se o leitor perde a chance de ler um bom romance, quem perde é o mercado literário. E perdem todos os que perseguem exclusivamente a chamada literatura de proposta. Esta forma elitista de encarar a literatura me atingiu no rosto como um tapa. Estava cursando uma das disciplinas do Mestrado em Literatura. Entre as leituras obrigatórias fui apresentado à Teoria do Romance (não sei o título original mas título da edição americana é The Theory of the Novel) de Georg Lukács e Anatomia da Crítica (Anatomy of Criticism) de Northrop Frye. Ao ler as traduções dos dois livros, não podia acreditar no que tinha nas mãos: um emaranhado acadêmico incompreensível, uma algaravia que parecia estar sendo gritada do alto de um pedestal.
Não resisti. Comprei e li edições em inglês dos dois livros. Conclusão: quem traduziu, estragou. Claro, são obras de teoria e crítica literária, densas, nada recomendáveis para um domingo à tarde. Mas não tinham nada daquela estroinice acadêmica. Só no Brasil é que se confunde e se estraga um bom texto para que o tradutor e a editora fiquem de bem com os intelectuais.
Por que continuam negando espaço para a literatura de entretenimento? E é bom que se diga: literatura de entretenimento não é o que produz uma pessoa como Narcisa Tamborindeguy (aliás, cadê ela?). Aquilo não é entretenimento nem é literatura. Gente como ela não escreve: enfileira palavras e amontoa parágrafos.
Precisamos daqueles livros que fazem o leitor desligar a televisão. Daqueles que são levados para as varandas, que são lidos antes de dormir ou na sala de espera do dentista e até mesmo no banheiro. Mas parece que os autores ainda desejam produzir para as academias e para os críticos. Mas e o leitor? Quem escreve para o leitor?
Dizem que a natureza detesta o vácuo. O entretenimento recuou. O academicismo tomou conta e hoje a cultura do clássico nos sufoca. E estes clássicos chegam até nós através desta praga nacional chamada relançamento.
Thomas Mann, Jean-Paul Sartre, João Cabral de Melo Neto, Roberto Piva, Guimarães Rosa e José Lins do Rego, além de serem gênios da literatura e da poesia, merecedores de respeito, admiração e um espaço na nossa biblioteca têm outra coisa em comum? São considerados clássicos e estão sendo RElançados no Brasil.
Eu concordo que em toda atividade comercial ou empresarial deva haver lucro, ou não teríamos editoras nem livrarias. Mas porque ficar insistindo em republicar, relançar, reeditar, requentar, quando existem tantos novos autores e novas obras esperando a vez?
Não desejo comparar nosso mercado editorial com os de outros países, pois este tipo de referência normalmente não é conclusivo, mas lemos muito pouco. Universitários não lêem. Profissionais liberais não lêem. E a dona de casa? E o rapaz do estacionamento, o empresário, a caixa de supermercado, o médico, o engenheiro, o servente do posto de gasolina, o dono do restaurante, o porteiro do seu edifício?
E você?
Em outros países e até mesmo na Argentina, publica-se de tudo para todo mundo. E por que vendem de tudo? Porque o engenheiro da NASA não lê somente tratados de física. É fã de John LeCarré. A professora de história está terminando seu doutorado, mas tem todos os livros de James Michener. E o caixa da papelaria? Lê policiais e reportagens investigativas. E as milhares de mães, mulheres de meia idade e vovós? Provavelmente fazem parte de grupos de discussão pela internet sobre a obra de Nicholas Sparks e Danielle Steel.
Já entre nós ninguém diz estar lendo um bom romance ou uma coletânea de ficção científica. Só se fala em livros de sociologia, economia, literatura de proposta, ângulos novos, linhas diferentes e estilos arrojados. Descreve-se uma obra literária como se analisa um carro novo. Confunde-se falta de capacidade de narrar com “efeitos de estranhamento”. Rotula-se de “investimento na contenção, em benefício da expressividade” o que é simples vanguardismo estúpido.
Nesta nossa terra esquecida pelas musas, país das contradições, a chamada literatura de proposta, a literatura que é a menina dos olhos dos intelectuais e acadêmicos, aquela que exige do leitor é, por incrível que pareça, a que é mais produzida. A literatura de proposta, no Brasil, virou comercial. Mas não como obra. Como estilo. Quer ser publicado? Não precisa escrever uma boa história: crie um estilo. Produza proposta. Intelectuais e acadêmicos que escreviam para si mesmos, estão presos em sua própria armadilha. Caçadores caçados. E abatidos.
José Paulo Paes no livro A Aventura da Literatura (Cia. das Letras) defende o aumento de uma produção literária que é comercial ou (benzam-se!) literatura de entretenimento. Em outras palavras, vende muito. E assusta. E, claro dá uma bruta inveja. Mas o que os sábios de carteirinha não percebem é que, um sucesso de vendas como Harry Potter está formando um futuro e imenso mercado. A criança que hoje lê as aventuras do bruxinho inglês, ano que vem vai se interessar por Monteiro Lobato. E em seguida pode até passar por um ou mais livros de Paulo Coelho, mas vai sentir sede de conteúdo. Vai querer mais. Vai querer, Machado, Amado e Rodrigues. Drummond, Camões e Cummings. Afirmo: autores comerciais valem a pena. Servem como um artifício para que a população acorde para o maravilhoso patrimônio cultural que é um livro.
É evidente que existem aqueles que nunca mais vão ler nada diferente. Saberão de cor todos os romances de Coelho. Mas, também, o que diferencia estes leitores daqueles intelectuais que só lêm teses acadêmicas? Pessoalmente acho que, para a população, “Paulos Coelhos” e “Harry Potters”, magos brasileiros ou ingleses, não só valem a pena com que foram escritos, como valem a pena ser lidos. A (triste) conclusão é que enquanto editoras, críticos e autores não perceberem isto, o Brasil vai continuar sendo o reino do relançamento e o país da proposta. Uma pátria de estilos, sem histórias.
Querido Fabio, excelente artigo… e um incentivo para eu continuar a escrever meu livro, cheio de histórias e mitos… Quem sabe um dia você o leia? Lembre-se do título: TAquicardia…
Grande abraço,Natalia Emery Trindade
Acho que o seu artigo é uma excelente resposta em defesa contra o menosprezamento da literatura de entretenimento. Parabéns.