Se você não abre o alçapão e solta “aquela doida da criatividade” lá de cima, de cabeça, bem em cima do texto em que você está trabalhando, no final vai ficar parecendo que só o que você fez foi empilhar parágrafos. E veja bem, isto se aplica para qualquer tipo de texto: de romances a relatórios, de petições a trabalhos acadêmicos.

Dei aula no Brasil durante cinco anos no curso de jornalismo da Universidade Positivo, em Curitiba-Pr. Minhas disciplinas favoritas eram: Legislação e Ética no Jornalismo, por causa da minha prévia formação na área do Direito e a Redação Jornalística que era ministrada no segundo ano, que aproximava as técnicas literárias do jornalismo.

Toda produção de classe era orientada para a criação de textos criativos. A idéia era que, no momento apropriado, o material servisse de inspiração para que os alunos “temperassem” sua produção textual para que fossem publicados em revistas. Sem contar que acredito que se você exercita sua criatividade, não importa o tipo de texto que você tenha que escrever, ele será bom.

Só para ficar claro para aqueles que não têm formação na área de comunicação, uma das principais diferenças entre um texto criado para jornal e um para revista é o tempo de produção, que no caso do jornal é… AGORA! E no caso da revista é, no mínimo, para a semana que vem. O tempo que você investe para pesquisar e produzir o texto impacta diretamente no tratamento dado ao material, sendo que você pode ainda dar-se ao luxo de deixar o texto “dormir” um tempinho antes de revisá-lo. Com mais tempo você tem mais calma e consegue criar mais, inovar mais. E, claro, ser mais crítico.

Quando você escreve para jornal, já no primeiro parágrafo tem que deixar claro quem fez o que, como, quando, onde e por que. Para uma revista você pode começar falando de como a luz da janela, por trás do entrevistado, não permitia que você lesse sua fisionomia, e que quando você fez menção de mudar de lugar ele se recusou a continuar a entrevista. E foi aí que você entendeu que ele escolheu aquele lugar de propósito e que a intenção dele era mesmo “esconder-se” na frente da janela, bem ali, do seu lado, debaixo da luz.

Exercícios

Reuni aqui três (por enquanto) exercícios que podem ser úteis para excitar um pouco sua criatividade. Basicamente eles servem para quebrar a moldura que confina seus pensamentos e deixar soltas todas as possíveis linhas que você queira seguir.

Resumindo, derrube barreiras. Jogue-se de cabeça. Abra bem os olhos e pule do alçapão: aproveite e, na passagem, de um beijão na “Doida da Criatividade”.

1º exercício – Dia e Noite

Pessoas ocupadas precisam de rotinas e atalhos para enfrentar o dia-a-dia. Se tivéssemos que pensar em cada passo necessário para passar café, esgotaríamos nossa energia antes mesmo de sair para o trabalho de manhã. O raciocínio rotineiro pode economizar tempo e energia, mas prejudica imensamente nossa capacidade criativa.

Este exercício se propõe a desafiar pensamentos corriqueiros e incentivar a criatividade. É muito bom para criar soluções alternativas. Comece assim: faça uma lista de palavras comuns em uma coluna vertical. Por exemplo: noite, pesado, rápido, maçã. Ao lado escreva a primeira palavra de sentido oposto que vem à mente: dia, leve, lento e banana, por exemplo. Isso irá limpar a sua mente das respostas mais óbvias. Agora, como desafio, escreva pelo menos mais três palavras opostas para cada palavra inicial. Que tal:

Noite – dia, sol, branco, acordado
Pesado – leve, pena, nuvem, magro

Você irá perceber que algumas palavras com significados parecidos irão entrar para sua lista. Não tem problema, elas poderão despertar outras palavras opostas. Lembre-se que idéias geram idéias e mantenha o senso crítico e o pensamento analítico sob controle. Limite o tempo desta atividade em 10 ou 15 minutos para que ela seja objetiva e não fique cansativa.

Agora sim, comece a trabalhar no problema que o estava incomodando. Escreva a sua dificuldade clara e simplesmente e utilize sua criatividade para gerar novas idéias para resolver o problema.

2º exercício – O quê você consegue ver?

Estamos às vezes tão envolvidos com um problema que não conseguimos enxergar sua solução. Esta situação é tão comum que chega a ser um clichê: ficamos obcecados com “aquele” problema e acabamos travados, bloqueados. Para começar pense que você não deve se concentrar no problema, e sim na sua solução. Este exercício é na verdade um jogo para nos ajudar a mudar o modo de ver as coisas e nos auxiliar na resolução de problemas.

simbolos geométricosOlhe para estes objetos e escreva o que vê.  Algumas possíveis descrições são: três objetos coloridos: um círculo verde com uma linha diagonal, um hexágono vermelho e um balão de pensamento amarelo.

O próximo passo requer um salto criativo. Enxergue o primeiro objeto como um sinal verde de trânsito indicando proibido passar. Ou arrisque um pouco mais e dê um salto ainda mais alto: veja um rosto barbado piscando; ou um eclipse solar num dia nublado.

Não importa se você consegue ou não enxergar estas explicações mirabolantes. Aqui não existe resposta certa ou errada. O que precisa ficar claro é que olhar para objetos com novos olhos pode despertar uma linha de pensamento inteiramente nova e é essa a essência da criatividade.

Tente olhar para os mesmos objetos novamente e pense em como pode descrevê-los de forma diferente na segunda rodada.

Agora se concentre na solução para o problema que está tentando resolver. Lance um novo olhar sobre a situação, uma nova luz. Como você descreveria a situação para uma pessoa que não fala português? E para uma criança? E, melhor ainda, para um alienígena, daqueles baixinhos, de pele cinza e grandes olhos pretos sem pálpebras?

Utilize este processo para incentivar a objetividade em relação à solução e o distanciamento relativo ao problema, e você desencadeará um processo muito mais criativo de resolução de problemas.

3º exercício – Improvisação

Em nosso dia-a-dia o comportamento “normal” é encorajado por ser a maneira mais fácil e mais eficiente de cumprir tarefas. O resultado é que nosso ser criativo fica escondido, se tornando flácido por falta de exercício. Como nossos músculos, a criatividade também é fortalecida com exercício.

O princípio agora é o da improvisação. Reúna cinco adereços. Podem ser cinco objetos quaisquer que você encontre em sua casa ou escritório. Por exemplo, um cinto, um brinquedo de cachorro, um bloco de notas, uma garrafa de água mineral e um clipe de papel.

Coloque os objetos no centro da mesa e tente inventar usos diferentes para eles. O cinto pode se tornar a faixa na cabeça de um samurai e o brinquedo de cachorro é a buzina de um automóvel. Brinque com idéias diferentes por 15 minutos e deixe a imaginação correr livremente. Não imponha limites onde não existem.

Se estiver buscando uma nova solução, pegue seu problema ou processo e procure ver como este poderia ser aproveitado de outra forma. Neste estágio, quanto mais maluca a idéia, melhor. Lembre que o objetivo aqui é quantidade e não qualidade. Anote TODAS as idéias geradas. Apenas depois de ter listado inúmeras idéias é que se deve mudar a forma de olhar estas idéias. Desta vez seja crítico, analítico. Chegou a hora de classificar e avaliar a viabilidade de cada uma das idéias.

Estes são apenas alguns métodos para dar um susto na criatividade e fazer com que ela trabalhe um pouco mais para você. Servem ainda para provar para você mesmo como é possível lançar um olhar diferente, não convencional, para as situações, quaisquer que sejam. O resultado? Soluções inovadoras.

Três exercícios para libertar a criatividade

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7 thoughts on “Três exercícios para libertar a criatividade

  1. Oi, Fábio

    Estou te seguindo no Twitter e vi o link. Que saudades dessas aulas de texto criativo.
    Com o pouco da experiência que tenho percebi que para escrever assim, com critividade, também precisamos ser um pouco crianças! Pois, geralmente, as crianças têm uma imaginação fértil e livre de algarras e preconceitos.

    Um grande abraço da eterna aluna
    Polliana

  2. Dear Fabio, I pushed my Spanish trying to understand these ideas to release creativity…but it was too hard. I hope the day I know Portuguese not to be so far….

    Best,

    Lina

  3. Grande Mestre Fábio Marchioro!

    Cara, que saudades, e através desse site dá para matar um pouco dela. Lendo as dicas, as recomendações me sinto que o “velho” (no bom sentido é claro) Marchioro voltou e está lá dando uma baita de uma aula para mim.

    Ah, vi sua matéria na Gazeta do Povo, quando vi a chamada na capa, dizendo que um jornalista curitibano que está no Canadá, já pensei, com certeza é o Fábio.

    Meu, tudo de bom e sucesso por aí!!

    Forte abraço

  4. Fábio!!
    Sabia que lendo esse site todinho eu consigo imaginar você dando essas aulas pra gente? Você explicando isso falando de maneira rápida do jornal e de maneira lenta da revista. Além de, claro, você andando de um lado pro outro da sala e reclamando da sua perna que doia… hehehe…
    Não preciso nem te dizer que tenho saudades dessas aulas e, principalmente, do incentivo que você dava quando a gente pensava que o que estava ali no papel não estava bom o suficiente… Que ficava apreensivo esperando você ler o que a gente escrevia pra no fim escutar aquele delicioso ‘que tesãooo’!
    Saudades sempre!!
    Beijao

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