Sou uma besta. Quando sento para escrever, não importa o texto, a circunstância ou a necessidade, é sempre na última hora possível, no último minuto possível. E o que acontece? O texto sai. E o que acontece quando não estou inspirado? O texto sai. E quando estou cansado, com dor de cabeça, com fome, sono, preocupado? Isto mesmo, o texto sai.
Será que minha Musa tem uma conexão ADSL, um Messenger Cósmico e, em cima da hora, arranja uma forma de entrar em contato? Claro que não. Basta sentar na frente do computador e o texto flui. Conclusão: não adianta só ficar esperando um momento místico de elevação quando ocorreria aquele insight único sobre a alma humana. Não espero mais pela visita da Musa Inspiradora que vai me ajudar a produzir o perfeito e completo conceito sobre o amor, o sentido da vida ou o propósito da morte em um parágrafo maravilhoso.
Se a Zefa, como chamo minha Musa (o nome verdadeiro dela é Yorka Horgálica Noviranda – prima distante das parcas), resolver aparecer, ótimo, melhor para mim. Ela será bem-vinda. Café passado na hora, vela branca, incenso e música do Bill Evans. Ou Brian Eno.
Caso contrário, mãos ao teclado. Escritor não é quem publica, é quem escreve.
Claro que tudo isto não é culpa dela. É minha. A vida da Zefa é um misto de devaneio e sonho em que ela delira e enlouquece um pouco com cada um de seus “inspirados” para que sejam um pouco mais criativos. Óbvio, não estou na sua lista de prioridades.
Andei dando uma olhada na relação, uma vez em que ela estava por aqui e foi fazer xixi. No topo da página, já meio amarelada, (só) dois políticos que ainda não haviam nascido, vários autores, filósofos, alguns músicos, nenhum apresentador de programa de auditório, muitas mães e pais, alguns professores e cinco pesquisadores da cura de doenças complicadas (Alzheimer, câncer, esclerose múltipla, AIDS e chulé). No final da lista, comigo, aspirantes a escritor.
Naquela noite, Zefa, sábia como o tempo, quando voltou do banheiro retocando a maquiagem (sempre muito pesada, já disse para ela) perguntou:
– Gostou da sua posição na lista?
Constrangido, abaixei os olhos. Fiquei tentando desvendar os mistérios dos cadarços dos meus tênis, que nunca ficam atados.
Enquanto pegava um Marlboro, antes de sair, Zefa deixou escapar:
– Quanto mais você trabalhar, mais sobe na lista. Não me espere. Sou eu que espero.
E foi embora.
Mais histórias de musas…
A Vida das Musas
Francine Prose – Nova Fronteira, 2004
Francine Prose escreve sobre nove mulheres que despertaram a imaginação de alguns dos mais inimitáveis artistas e pensadores dos séculos 19 e 20. Mostra como estas mulheres foram tanto exemplos de suas épocas, assim como iconoclastas lutando para afirmar suas identidades através dos relacionamentos inconvencionais que tiveram com estes homens. Francine embarca em uma análise do conceito de musa e de todas as suas permutações – das nove musas na mitologia Grega clássica, a frequentemente reciclada Beatriz de Dante, até a personificação irônica na cultura popular contemporânea.
As musas descritas inspiraram personalidades como Lewis Carrol, John Lennon, Sigmund Freud, Nietzsche, Rainer Maria Rilke, Man Ray, Salvador Dalí, entre outros. Francine Prose utiliza fotografias, diários, correspondências, biografias e obras originais de arte, que revelam a complexidade do relacionamento artista-musa, e dirige seus leitores para outros livros caso desejem saciar a curiosidade despertada. A autora tem um talento para escrever de forma provocadora e revigorante que inspira o leitor a pesquisar ainda mais profundamente o assunto. (fonte: Amazon)
Sem dúvida esse é um dos textos mais legais que eu já li! Awesome!
Como anda a Zefa?