Existem dois tipos de pessoas: aquela que é paranóica com revisões e aquela que não revisa o suficiente. A qual categoria você pertence? Antes de responder saiba que estes extremos são prejudiciais ao seu texto.
A palavra chave aqui é “extremos”. Escritores são membros de uma raça diferente. Existem tantas variações de comportamento, técnica, abordagem e linguagem que às vezes penso que somos uma raça de “raças distintas”.
Fazendo uma rápida pesquisa você vai encontrar, por exemplo, o escritor que senta na frente do computador e começa a digitar sem nem saber muito bem o que está escrevendo. Teve uma idéia para uma personagem interessante e decidiu produzir alguma coisa em torno daquela personagem. Conto? Poema? Romance? Ninguém sabe. Mais tarde ele vai definir.
Tem aquele, claro, do outro lado do oceano que anota tudo, sabe tudo, tem planejado cada detalhe de cada cena de cada capítulo. Ele só vai começar a efetivamente escrever depois que estiver satisfeito com seu plano e souber exatamente de onde está saindo e para onde está indo.
Com revisões acontece a mesma coisa. Você vai encontrar aqueles que, com o ponto final do último parágrafo declaram o texto pronto. Não querem mais saber de nada, só de começar o próximo texto. “É para isto que existe revisor e editor” é a desculpa mais freqüente. Digo já: não. Não é para isto que revisores e editores trabalham. Você, como escritor, tem que fazer a sua parte.
Existe também, no outro extremo, aquele escritor que vai terminar a primeira cena do primeiro capítulo e vai revisar o texto. Aí ele revisa de novo. Espera uma semana e revisa de novo. Mais uma semana e revisa de novo. Mais uma semana e… adivinhou… ele revisa de novo. Enquanto isto todo o resto do livro está lá, em algum lugar da cabeça dele, juntando poeira. Ficando velho. Desbotado.
Evidente que existem milhares de variações de comportamento entre estes dois extremos. Qual é o melhor?
A alternativa
Mesmo que você não goste do estilo, é preciso dar a mão à palmatória: Stephen King sabe escrever. Ele produz muito. Em uma de suas obras, On Writing, ainda não traduzida para o português, ele conta que sempre que acaba de escrever um livro, procura desviar ao máximo sua atenção da obra. Ocupa-se com outras atividades, escreve contos, roteiros, viaja ou vai consertar a porta da cozinha que está rangendo.
Ele julga que o tempo ideal de espera entre terminar a produção e começar a revisar um texto é de três a quatro meses. O suficiente para que a ação e os personagens não morram na sua cabeça. O suficiente para você se afastar deles. O “seu tempo ideal” você vai encontrar com a prática. Mas deverá ser aquele em que sua memória pregue alguns truques em você.
Ou seja, você terá esquecido certas cenas e certos detalhes. Assim, quando você reler o material, o ideal é que você se surpreenda. Idiossincrasias deixadas de lado, com este tempo que você vai investir no seu livro, será mais fácil detectar seus próprios vícios de linguagem, incorreções, quebras na estrutura narrativa, incongruências na linha de tempo ou inverossimilhanças presentes nas atitudes dos personagens.
Já que não sou Stephen King, quanto tempo devo deixar o livro dormindo antes de revisar? Esta resposta é fácil: não sei. Você deverá encontrar seu próprio ritmo. Fiz diversas experiências ao longo dos anos. Em uma situação ideal adoraria deixar um romance de 300 páginas dormindo um ano na gaveta. Quando pegasse novamente na massa, a leitura seria absolutamente fresca, nova, cheirando a manhã de primavera. Mas quem disse que a gente vive em um mundo ideal?
Acho que o negócio é a gente fazer um acordo com a vida e com o resto do mundo e chegar a uma equação que satisfaça seu desejo de escrever algo perfeito e o de sua editora ou agente de tentar evitar que você seja açoitado em praça pública.
Tudo bem, tudo bem. Se aquele prazo serve para o senhor King, pode servir para a gente também. Vamos fazer um acordo: espere entre três a quatro meses antes de começar a se esbaldar em seu próprio texto, ok? A diferença, no final, será gritante.
Isto se aplica não só a romances, poemas ou contos. Estou falando aqui de relatórios, petições, avisos, memorandos, documentos em geral e até e-mails. Vamos lá, confesse. Você já recebeu um e-mail cheio de erros de digitação, ortografia e concordância não é? Como ficou na sua cabeça a imagem da pessoa que mandou a mensagem? Não ficou como um exemplo de competência. Tenho certeza. Sem contar que mandar estas mensagens ou documentos coalhados de erros é um desrespeito com as pessoas. Escreva, dê um tempinho, vá tomar um café, vá fazer xixi, depois volte, releia, corrija e só então, quando tiver certeza que está tudo certinho, envie a mensagem.
Como corrigir?
1 – Corretor ortográfico
O editor de texto mais popular, MSWord, tem seu próprio corretor ortográfico e gramatical. Se por acaso você não tem este arquivo no seu computador, pode adicionar um corretor ao seu navegador de internet. Se você utiliza o Internet Explorer o corretor mais popular é o ieSpell. Se o seu caso é o FireFox adicione um pacote de idioma.
Estas ferramentas são úteis especialmente se você está planejando ter um blog para a divulgação dos seus projetos ou se utiliza webmail para comunicação.
2 – Manualmente
Nada substitui a leitura! Corretores ortográficos ajudam a encontrar os erros mais óbvios, mas se você escreveu “nua” e queria dizer “lua”, o corretor automático não vai acusar o erro e, claro, seu leitores ficarão confusos. Sem contar que sua personagem pode acabar indo presa por atentado ao pudor… mas deixe para lá.
É óbvio que depois de trabalhar horas num texto, certos erros não são mais visíveis. Acabamos preenchendo lacunas da comunicação com o que achamos que dissemos e não com o que realmente escrevemos. Adoro estes dois macetes que facilitam a visualização destes erros.
- Mude o tamanho da fonte ou margens para que o texto mude de lugar na página ou na tela do computador.
- Imprima o texto. Em último caso, claro. Afinal não queremos desperdícios, certo?
3 – Leia em voz alta
Este método ajuda não só na correção do texto, mas também na avaliação da sua fluência e musicalidade. Dizer isso pode parecer etéreo ou misterioso, mas um texto que flue como música, sem dúvida, é muito mais agradável de ler.
A forma mais produtiva de fazer uma leitura em voz alta, é fazer isso com mais alguém ouvindo, ajudando a verificar o ritmo, o sentido e a fluidez do texto. Mas se for necessário fazê-lo sozinho, o fato de ouvir a própria voz já faz uma grande diferença. Ler em voz alta força com que você olhe e leia todas as palavras, facilitando ainda mais a detecção de algum erro ou incongruência.
4 – Deixe o texto dormir e faça os passos 1 2 e 3 novamente
Quando temos tempo para fazer isso, a qualidade resultante dessa revisão é inegável! Cuide apenas para não se tornar vítima da obra eternamente revisada e nunca publicada.
5 – Contrate alguém para revisar para você
Certamente, contratar um revisor profissional é um passo fenomenal para a qualidade final do seu texto. O ideal é encontrar um revisor que não só corrija ortografia, mas que também coloque em cheque suas manias e vícios de escritor, como a repetição de certas palavras ou construções. Lembro da primeira análise que a corretora do meu primeiro romance me mandou: as páginas estavam absolutamente recheadas de notas. E percebi de cara um dos meus muitos vícios. Cada vez que, no livro, dois eventos eram relacionados por um nexo causal, para mim o segundo evento acontecia “em virtude” do que aconteceu no primeiro. O livro de 293 páginas tinha mais de 150 repetições da expressão. Nem eu mesmo sei como fui capaz de fazer algo daquele jeito. Na época ela brincou: “este sim é um livro cheio de virtudes”.
Pode ser que, profissionalmente, você não tenha tempo de deixar o texto dormir. Às vezes, não dá tempo nem de uma soneca. Mas releia o material com atenção e, faça um favor para seus leitores: passe o corretor ortográfico!
É isso aí. Eu confesso que não reviso meu texto (pois acabo achando que perde a “fluência” da escrita… besteira, eu sei), mas agora que estou no último capítulo do meu texto, estou revisando tudo. Depois, pretendo passar os 3/4 meses afastado para depois ler tudo de novo… =/
É muito sacrifioso ler tudo, o escritor é sempre o pior revisor, pois como ele já sabe o que vai acontecer na história, muitas palavra erradas (e até frases e parágrafos) passam despercebidos. Entretanto, o escritor aprende muito lendo o que se escreveu. Eu diria que é fundamental.
Ótimo artigo. Parabéns.
Poxa, eu realmente adorei essas técnicas! Eu sempre soube, ocultamente, de tudo isso, mas nunca havia parado para pensar. Não tem como negar, essa de passarmos despercebidos por vários erros é muito comum, porque já sabemos o que iremos ler.
Gostei bastante, parabéns!