Logo depois do café da manhã, no dia do seu oitavo aniversário, Frank Patrick Herbert (1920-1986) reuniu a família, subiu na mesinha de centro da sala de estar e disse: “eu quero ser um escritor”. Foi difícil, mas ele conseguiu.
Fã incondicional das histórias de H.G. Wells e Julio Verne, era sempre visto carregando uma mochila cheia de livros. Curioso insaciável, lia o tempo inteiro. Na escola, quando os colegas tinham dúvidas sobre química, sociologia ou educação sexual, a conclusão era a mesma: “Frank, ele deve saber a resposta”. E ele sempre sabia.
Antes de ser consagrado por sua obra, ganhava alguns trocados como jornalista. Durante anos foi sua esposa, Beverly Stuart Herbert que, acreditando no potencial do marido, sustentou a família trabalhando como redatora em uma agência de publicidade. Desenvolviam um trabalho em parceria, pois ele escrevia e ela editava, corrigia e sugeria detalhes nas obras antes de serem mandadas para as editoras. Para ajudar no orçamento escrevia discursos para políticos. Trabalhou mais tarde como consultor em ecologia no Vietnam, no Paquistão e deu aulas de estudos interdisciplinares na Universidade de Washington.
A diversidade de assuntos que chamavam sua atenção e sua experiência em áreas tão distantes quanto ecologia, política e jornalismo ficam evidentes na sua obra de maior relevância, “Duna” (1965). Naquilo que parece ser uma constante na vida de todos os escritores que, mais tarde alcançaram reconhecimento mundial, pesquisar, escrever e publicar “Duna” foi muito difícil. Sete anos de trabalho e 23 cartas de rejeição depois, uma editora de manuais de “faça você mesmo” resolveu apostar na obra. Sucesso imediato e absoluto.
Um dos editores que recusou “Duna” afirmou que poderia estar cometendo o maior engano da década, mas achava o enredo complicado e as mais de 500 páginas iriam assustar os leitores. Não foi o engano da década. Foi, sim a “pisada de bola” do século. “Duna” ganhou os dois mais importantes prêmios de ficção científica, o Nebula (1965) e o Hugo (1966), vendeu milhões de cópias e já foram produzidos um filme e uma série de televisão, sem contar os seis jogos, incluindo três para computadores e um para ser jogado via internet. Desde a morte de Frank Herbert, um de seus filhos, Brian, com base em volumosas anotações deixadas pelo pai, está dando continuidade à obra. Já publicou mais três livros que têm como pano de fundo o mesmo universo.
Na primeira parte de “Duna” conhecemos Paul, filho do Duque Leto e de Lady Jéssica. Formam a dinastia Atreides, inimiga visceral dos Harkonnen. Paul e sua mãe conseguem escapar de um atentado, mas Leto morre. Desejando vingança, Paul une forças com uma raça de nômades chamada Fremen, original dos desertos do planeta Arrakis. Este mundo é a única fonte da mais preciosa substância do universo, a especiaria chamada Melange, necessária para viagens interplanetárias e responsável pelas alterações psíquicas das quais dependem inúmeras organizações. Paul descobre que o próprio imperador Shaddam IV está envolvido na morte do Duque e, junto aos Fremen descobre uma forma de se tornar um Messias e atingir seus objetivos.
Complicado? Isto porque “Duna” é um reflexo total da experiência de vida de Herbert. Some a isto sabores de ecologia, psicologia, misticismo, religião, política, técnicas militares (ele lutou na II Guerra Mundial) com três pitadas de intrigas e traições palacianas. Acrescente lutas pelo poder, estranhas sociedades e vermes do deserto que atingem 450 metros de comprimento. Deixe fermentar tudo em um planeta que é um gigantesco deserto, apimente com uma força policial que se dedica ao crime, organizações dominadas por quem deveriam dominar e, especialmente, dê o toque de mestre através de corrupção por diversas formas usando como meio as mais diversas taras. Parece o Brasil da atualidade, mas é o clima predominante no ano de 10191, no universo do planeta Arrakis, também conhecido como “Duna”.
Herbert disse para a revista Omni de julho de 1980 que a luta pelo poder na política e na economia só tem uma conseqüência lógica: guerra. Em momentos assim a população tende a conferir as decisões a líderes que conjuram certas “sombras” mitológicas. Exemplos? Hitler, Churchill, Stalin, Kennedy e, para encurtar a lista e trazer para os dias de hoje, dois dos melhores exemplos de fanatismo, misticismo, religiosidade, corrupção, cartadas políticas, jogadas econômicas e grandes corporações: Osama Bin Laden e George Bush. Cada um, a seu tempo e com adaptações à sua época revestiu-se da armadura do cavaleiro portador da luz, do aliado do bem contra o mal supremo.
É por isto que “Duna” é tão atual. Herbert deixa claro em seus mais de 30 livros e, especialmente em “Duna” e suas cinco seqüências (O Messias de Duna, As Herdeiras…, Os Hereges…, O Imperador Deus… e Os Filhos de Duna) que não se pode confiar cegamente nos líderes políticos ou religiosos, independente dos seus admiráveis conceitos, planos, idéias ou intenções. Não existem heróis. Muito menos super-heróis. Quando os primeiros mostram seu lado humano ao cometer um erro, ocorrem grandes problemas. Quando os segundos se revelam, acontecem catástrofes, pois acabam por envolver populações inteiras.
Cabe ao leitor concluir se Paul Atreides, chamado de Muad’Dib por seus devotos, não foi um inocente útil, usurpador assassino igual aos “vilões” que jurou destruir. “Duna” é real, vibrante, o produto de uma mente curiosa e maravilhosamente diversificada. Não é fácil, mas é uma experiência a qual todos deveríamos nos entregar pelo menos uma vez na vida. “Duna” vai mudar seu conceito de literatura e você vai entender porque, no mundo inteiro, ajudou a redimir o gênero Ficção Científica.