Ensaios, crônicas, contos (muitos), novelas, romances… Isaac Asimov escreveu de tudo. E escreveu muito de tudo. E escreveu bem. É um dos mais adorados e venerados autores contemporâneos e mesmo quem prefere fazer um enema a ler ficção científica, conhece seu nome.Asimov nasceu na Rússia em 1920 e emigrou com a família para os Estados Unidos, indo morar em Nova Iorque em 1923. Aprendeu a ler sozinho com 5 anos, olhando as placas dos nomes das ruas do Brooklyn. Já em 1935 começou a produzir textos de ficção científica e em 1938 publicou seu primeiro conto (Marroned of Vesta) na revista Amazing Stories. Estudou química na Universidade de Columbia e trabalhou para a Marinha Americana até o final da Segunda Guerra Mundial.
Sempre foi considerado e respeitado nos meios científicos, por onde transitava à vontade como professor e escritor de ficção científica (FC). Sua formação e a carreira acadêmica o obrigavam a manter contato com os maiores cientistas e intelectuais da época. Tirou seu Ph.D. em Bioquímica também em Columbia e deu aulas desta disciplina na faculdade de medicina da Universidade de Boston.
Em 1950 conquistou o Pós-Doutorado e publicou seu primeiro livro (Pebble in the Sky). No mesmo ano teve publicada a obra que o tornou famoso no mundo inteiro: Eu, Robô (I, Robot) onde introduz as genialmente simples e famosas três leis da robótica: 1- robôs não podem ferir seres humanos ou, por omissão, permitir que seres humanos sejam feridos; 2- robôs têm que obedecer todas as ordens de seres humanos, a não ser quando estas ordens entrem em conflito com a primeira lei; 3- robôs devem preservar sua existência, a não ser que, para isto, entrem em conflito com a primeira e a segunda leis. No ano seguinte publicou o primeiro volume da trilogia “Fundação” que o consagrou.
Asimov escrevia colunas em diversos jornais e revistas por todo o mundo. Publicou (não se espante com o número) mais de 450 livros de FC e 25 obras de vários gêneros diferentes como mistério, policial, infantil e publicações científicas em bioquímica, física, mitologia e astronomia. Ganhou cinco vezes o prêmio Hugo e três vezes o Nebula, o maior reconhecimento que um escritor de FC poderia almejar.
Em uma entrevista concedida para Mervyn Rothstein do New York Times, disse: “Nunca foi tão fácil escrever. Quanto mais escrevo, mais fácil fica”. Sua rotina era simples: levantava às 06:00, em torno das 07:30 sentava na frente da máquina de escrever (não usava computador) e, só parando para se alimentar ou conversar um pouco com sua esposa, trabalhava todos os dias até 22:00 horas. Humilde e bem humorado, afirmava ter muita sorte de ter nascido com um cérebro eficiente, que pensava de forma clara e intensa: “Não mereço créditos pelo que escrevi. Sou um sortudo beneficiário na loteria da genética”.
Suas histórias são simples, uma bem ponderada combinação de fatos e ciência. Nunca fez experimentações estilísticas. Gostava de contar histórias e fazia isto muito bem. Isaac Asimov era um autor de fatos. Importava mais o roteiro e a história em si do que as pessoas imersas e envolvidas nela. Claro que existem alguns nomes recorrentes como a Doutora Susan Calvin mas, ironicamente, suas criações mais vívidas, seus personagens mais desenvolvidos e aperfeiçoados, aqueles que exibem traços psicológicos mais marcantes e “humanos”, são seus robôs e seus computadores. Os dilemas morais, problemas de personalidade e conflitos morais em torno das leis da robótica são sua marca definitiva. Os problemas por ele apresentados impressionam não só seus leitores, mas as universidades e instituições que, hoje em dia, se dedicam aos estudos de desenvolvimento dos sistemas que gerenciam o cérebro de robôs verdadeiros.
Apesar de, pessoalmente, nunca ter desejado envolver-se com cinema, algumas de suas obras foram adaptadas sem grande sucesso, à exceção de “Viagem Fantástica” e “Homem Bicentenário”. Um estúdio comprou os direitos da obra completa de “Fundação” em 1996, mas nada foi feito até agora.
Asimov sempre foi muito apreciado por seus contos. Uma de suas melhores coletâneas é “Nove Amanhãs”, publicada nos Estados Unidos em 1959. A obra, como o título sugere, tem nove contos mas, inexplicavelmente, a edição brasileira da Editora Expressão e Cultura só tem sete. “The Dying Night” e “I’m in Marsport without Hilda” desapareceram. Descuido, desavenças de direitos autorais ou problemas com a censura durante o governo militar mantiveram estes contos longe dos leitores brasileiros.
Esta obra prima do gênero entrou para a minha família em 1972. Marcelo, meu irmão mais velho, deu o livro de presente de aniversário para a minha mãe que, lembro bem, o devorou em dois dias. Família grande e sendo eu o filho mais novo, demorou quase “nove meses” para que eu pudesse viajar com Asimov no tempo e no espaço, pelos contos e novelas do livro. Para nós brasileiros, os nove amanhãs foram só sete, mas valem por nove.
O melhor conto do livro, e um dos melhores que ele já escreveu, se chama “A Última Pergunta”. Um extraordinário relato sobre o último computador construído e a última e mais importante pergunta que lhe foi feita. Acompanhamos uma série de visões do futuro da humanidade, cada vez mais amplas, abrangentes e impressionantes até um desfecho inacreditável. Resisti bravamente em não contar aqui o final do conto.
Fiquei boquiaberto quando soube que um homem como ele, com sua clareza de idéias, humildade e sabedoria, era ateu. Mas li uma de suas declarações sobre religião onde dizia que o homem, para se livrar da ignorância, não deve aceitar cegamente as regras e os dogmas de uma religião constituída, ou acabará voltando à ignorância. Depois disto passei a achar que ele estava certo. O respeito que sempre mostrou pelo ser humano em suas obras, a esperança que sempre permeou seus textos e a forma iluminada e pura com que sempre escreveu, mostram um homem esclarecido e livre de preconceitos de qualquer natureza. Um artista que valorizava o fator humano, independente de origem ou de seus sistemas de crenças. Fico pensando se o mundo não estaria precisando de mais “ateus” como ele.
Perguntado se tinha medo da morte, sorrindo, satisfeito e cofiando suas imensas suíças brancas que lhe davam um ar de Tio Patinhas, disse: “Não tenho o que temer. Coloquei no papel todas as idéias que tive ao longo da minha vida”. Quando morreu, independente do fato de ter ou não encontrado Deus, Asimov deve ter realmente ido tranqüilo, acompanhado daquela rara sensação de dever cumprido. É por isto que, um pouco da leveza e da criatividade da FC contemporânea morreram com ele no dia 6 de abril de 1992.